QUÊNIA – 2023
Pilotos:
Airton; André Vargas (Instrutor Master Trail Escola de Pilotagem); Cavalli; Darci; Edison; Eduardo; Ênio; Geraldo; Hilton (Staff Master Trail); Jaime (Rafiki Mototour); Marcos (Rotas de Moto); Marisa; Moisés; Pedro (Rafiki Mototour); Tássilo.
Carro de apoio:
Eliane (Staff Master Trail); Joseph (motorista).
No início do ano de 2023 o amigo André Vargas, parceiro das duas viagens de moto pela Amazônia nos anos de 2018 e 2019 (https://www.rotasdemoto.com.br/2019/05/14/expedicao-transamazonica-julho-de-2018/ e https://www.rotasdemoto.com.br/2024/01/04/expedicao-rodovia-fantasma-br-319-de-volta-a-amazonia/), instrutor e proprietário da Escola de Pilotagem Avançada Master Trail entrou em contato comigo contando de um novo projeto. A ideia seria fazer um tour de moto guiado pelo interior do Quênia em formato de curso de pilotagem off road, cujas instruções ocorreriam durante a viagem e com os obstáculos naturais que porventura surgissem pelo caminho, precedidos de uma masterclass já com as motos a serem utilizadas neste projeto, as quenianas Kibo 250 cc.
Não estaríamos mais no centro de pilotagem da Master Trail, mas sim em situações reais no interior daquele país da África Oriental, um local completamente desconhecido para nós. Para a realização do projeto a Master Trail fez uma parceria com a Rafiki Mototour, uma empresa especializada em guiar roteiros de moto, de propriedade dos espanhóis Jaime Sanchez e Pedro.
A Rafiki Mototour disponibiliza pacotes de viagem que incluem o aluguel das motos Kibo 250 cc, gasolina, hospedagem em quarto duplo, café da manhã, almoço e jantar com bebidas não alcoólicas, transfer do aeroporto de Nairóbi para o hotel e de Diani Beach ao aeroporto de Mombasa, van de apoio e, obviamente, o Jaime e o Pedro como guias. O Pedro, além de guia, é mecânico de motos e faz os reparos necessários durante a viagem. As hospedagens e alimentações nos dias que antecedem à masterclass e ao tour não estão incluídas.
Não gosto de fazer passeios de moto em grupo, pois as diferenças entre os pilotos muitas vezes levam a situações de conflitos, assim como não faço viagens que não sejam planejadas por mim, pois coloco meus interesses pessoais no planejamento. Também sempre encarei a presença de carro de apoio como um artifício que tira boa parte da aventura que viajem de moto proporciona. Desta vez, porém, por ser um projeto deste grande amigo que a vida me trouxe e por ser em um local que já estava em meus planos de um dia cruzar de moto, não poderia deixar de participar. Abri mão dos meus conceitos e me inseri como um dos pilotos do projeto.
Em poucas semanas se formou o grupo de 12 pilotos, alguns dos quais eu não conhecia. Os meses subsequentes foram de preparo da viagem, com toda a organização necessária para um projeto deste porte.
Comprei minhas passagens com a saída de Porto Alegre no dia 20 de setembro de 2023 com a Jeanne da agência Manduré Viagens (https://www.mandureviagens.com.br/) que também intermediou as passagens da maioria dos integrantes do grupo. Atendimento perfeito, sempre atenta e disponível às nossas demandas.
O seguro viagem, que sempre faço com a mesma empresa há mais de 25 anos, desta vez acabei por fazer com a corretora Cris Toguinha (fone 51-999633973) por ela ser a responsável pelos seguros de quase todos os pilotos nesta viagem. A opção por utilizar a mesma agência de viagens e a mesma corretora de seguros para a maioria do grupo facilita as negociações de valores e, principalmente, o entendimento por parte daqueles prestadores do que está ocorrendo com o grupo. A atenção dispensada pela Cris é indescritível. Sempre com resposta imediata às nossas demandas. Além disso, a Cris também é motociclista e entende bem as nossas necessidades.
Para entrada no Quênia é necessário visto, o qual é feito on line no site https://evisa.go.ke/evisa.html. A solicitação só pode ser feita três meses antes da data de ingresso no país. É exigido foto da página de dados e da capa do passaporte, foto da reserva da primeira noite de hotel, nome completo e telefone dos pais se ainda forem vivos, nome completo e telefone de um contato de emergência e, para quem já esteve no Quênia, datas e número do visto anterior. A taxa é de US$ 55,00. Para entrar no país também é necessário comprovante da vacina da febre amarela emitido pela ANVISA.
Finalmente chegou o tão esperado dia 20 de setembro de 2023. Neste dia partimos de Porto Alegre em torno das 15 horas com a primeira conexão em Guarulhos, São Paulo. O segundo voo partiu de São Paulo em torno das 20h30min com destino à Doha, no Catar. Este foi mais longo, durando cerca de 14h35min, chegando em torno das 17h05min do horário local (11h05min no horário de Brasília). Saímos de Doha em direção à Nairóbi às 19 horas com chegada às 23h53min. Uma viagem longa e cansativa, porém cheia de expectativas. Desde a saída de Porto Alegre estavam o Cavalli, Tássilo e Darci. Em Guarulhos se juntaram a nós a Marisa e o Geraldo, ambos de Goiânia, e o Édison, também de Porto Alegre.
Na chegada no aeroporto de Nairóbi fomos recebidos pelo Joseph, o qual foi o motorista da van de apoio durante toda a viagem, para nos levar para o hotel La Maison Royalen (09 Mogotio Road, Westlands, 00200, Nairobi). No caminho tive as primeiras impressões, com ruas pouco iluminadas em uma região que parecia ser a periferia da cidade. Nos dias subsequentes percebemos que a cidade é desta forma. Fomos muito bem recepcionados no hotel, porém pelo adiantar do horário, já não havia mais onde comermos tanto no hotel como nos arredores. O La Maison Royalen é bastante agradável, com boas acomodações e café da manhã típico do país com alimentos que não estamos acostumados a consumir neste horário, como frango e outras carnes com molho, além de uma espécie de grãos. Tudo bastante condimentado. Também pães típicos do Quênia e de uma omelete saborosa preparada na hora. Estes alimentos irão nos acompanhar por toda viagem, com suas consequências naturais sobre nosso organismo.
QUÊNIA E NAIROBI
A República do Quênia está situada na África Oriental, na linha do equador, tendo como limites o Sudão do Sul e a Etiópia ao norte, a Somália e o Oceano Índico ao leste, a Tanzânia ao sul e Uganda a oeste. Conta com uma população de 53 milhões de habitantes (2021), com 70% abaixo dos 30 anos. Seu nome se origina do Monte Quênia, sendo o segundo ponto mais alto da África. O clima é quente e úmido ao longo da costa do Oceano Índico, frio em Nairobi e temperado a oeste nas áreas de florestas e montanhas. O país tem a savana como bioma predominante e uma fauna bastante exuberante, sendo famoso por seus safáris, diversas reservas de vida selvagem e parques nacionais, como o Parque National Tsavo-Oeste, o Masai Mara, o Lago Nakuru e o Parque Nacional Aberdares. A proximidade com os países ao seu redor faz com que o Quênia se torne um país multicultural.
No final do século XIX o Império Britânico estabeleceu o Protetorado da África Oriental Britânica, com o país passando a ser reconhecido como Colônia Quênia a partir de 1920 e se tornando independente em 1963. Atualmente o país é dividido em 7 províncias (Central, Costa, Oriental, Nordeste, Nyanza, Vale do Rift e Ocidental) e a área de Nairóbi, com 47 condados semiautônomos.
O país tradicionalmente é exportador de chá e café, sendo a agricultura e o setor de serviços os maiores responsáveis pela economia, a qual é a maior da África Central e Oriental. O turismo, principalmente no litoral, também tem sua influência na economia do país. A moeda local é o Xelim Queniano. O Quênia tem uma grande biodiversidade com uma vasta vida selvagem, onde se pode encontrar pássaros, répteis, o gnu azul e outros bovídeos, zebras, girafas, hipopótamos, além dos animais conhecidos como “Big Five” quais sejam os leões, leopardos, búfalos, elefantes e rinocerontes.
Em relação à religião, 82% da população segue o cristianismo (quase metade sendo protestantes e 23% católicos), 11% muçulmanos, com o restante se dividindo entre outras religiões.
A composição étnica inclui a maioria dos principais grupo etnolinguísticos da África, o que torna a população bastante diversificada. No país há um total de 69 línguas, tendo o inglês como a língua oficial e o kiswahili o idioma nacional, sendo que em muitas regiões rurais são praticados apenas suas línguas nativas. Também existe um dialeto chamado Inglês Queniano. O sistema político é a República Presidencialista.
Dia 22 de setembro de 2023.
Na manhã do dia 22 de setembro encontramos o André, Eliane, Airton e Hilton, que haviam chegado em Nairóbi um dia antes de nós. Aproveitamos aquela manhã para conhecermos o Nairóbi National Museum (Kipande Rd, Nairobi) onde se pode observar a cultura local, história da África, arte dos povos africanos e tantas outras informações. Neste museu tivemos a experiência de estar próximo a um crocodilo vivo, segurando sua cauda. O tratador nos aproxima do enorme réptil com muita tranquilidade.
Após almoçarmos em um shopping center próximo ao hotel (Sarit Shopping Center), esta refeição já incluída no pacote de viagens da Rafiki Mototour, fomos buscar as motos trails quenianas Kibo 250 cc. A primeira impressão foi de uma motocicleta bastante simples.
As motos Kibo foram idealizadas pelo holandês Huib Van de Griisparde durante uma viagem pela África, no ano de 2011, com a intenção de proporcionar uma mobilidade segura e confiável ao povo local. A ideia era construir uma moto economicamente viável, projetada para o terreno do leste africano. Em 2017 foi lançada a Kibo 150, a primeira moto projetada na Holanda e construída no Quênia. Mais tarde foram lançados os modelos K160 e K 250, com maior potência e desempenho. A Kibo 250 pesa 154 Kg, com um motor carburado de 17,4 hp a 6500 rpm e um torque de 20,7 nm a 5200 rpm.
Após pegarmos as motos seguimos pelo trânsito caótico de Nairóbi, pela primeira vez pilotando à esquerda da rodovia, já que no Quênia a condução se dá pelo que chamamos de mão inglesa, com os veículos tendo o volante do lado direito. O trânsito complicado e a mão inglesa fazem com que a atenção seja redobrada.
Nosso jantar foi em um local chamado Alchemist, localizado na Parkland Road bem próximo ao hotel e ao shopping center, sendo possível o deslocamento caminhando. O Alchemist é uma espécie de um pátio de alimentação com diversas opções de gastronomia, além de um DJ comandando a festa.
Nairobi é a capital do Quênia e também a cidade mais populosa, sendo o centro econômico, financeiro, corporativo e cultural do país. Está localizada às margens do rio Nairobi, a uma altitude de 1700m, com uma população de aproximadamente 4.400.000 habitantes. A cidade foi criada pelos britânicos em 1899 como um terminal ferroviário entre Mombaça e Quisumu. Ainda hoje a indústria ferroviária é a maior geradora de empregos. A maioria da população de Nairóbi vive na pobreza ou extrema pobreza. Estima-se que metade da população vive em favelas que, por sua vez, cobrem apenas 5% da área urbana da cidade. Em Nairobi está a maior favela do mundo, chamada Quibera, com cerca de 2,5 milhões de habitantes (Wikipedia). As pessoas são muito gentis, prestativas e simpáticas, nos tratando com imensa cordialidade. O nome da cidade deriva de Enkare Nairobi que no idioma Massai significa Águas Gélidas.
No dia seguinte, 23 de setembro pela manhã, encontramos os pilotos que ainda faltavam e que haviam chegado na noite anterior: Ênio, Moisés e Eduardo. Ainda pela manhã fomos fazer um treino de adaptação às motos Kibo em uma pista de motocross. O trânsito até lá já é um bom treinamento e certamente mais arriscado do que qualquer passeio off road. Chegando ao local ficamos treinando algumas manobras de domínio da moto como frenagens, derrapagens, transposição de obstáculos, etc. Após fomos andar dentro da pista de motocross, com os treinamentos de aclives, declives, saltos, plano inclinado, areia e irrregularidades do terreno. Um treinamento muito técnico e divertido.
Retornamos ao hotel no já no meio da tarde. Naquela noite, por uma descoberta do Tássilo, fomos juntamente com o Geraldo, a Marisa e o Édison a um restaurante magnífico no terraço do hotel Sankara, o Sarabi Roof Top Restaurant (05 Woodvale Grove, Westlands) ao lado do Sarit Shopping Center. O lugar é bastante requintado, com excelente música ao vivo onde uma cantora de voz espetacular, um saxofonista fantástico e um tecladista deixavam o ambiente ainda mais atrativo. A comida é excelente e com preços similares aos cobrados na praça de alimentação do shopping center onde havíamos almoçado nestes dois dias. O ambiente do restaurante destoa da pobreza de Nairóbi.
No dia 24 de setembro iniciamos nosso tour pelo Quênia. Saímos do hotel em torno das 8h30min em direção à Naniuki e Mont Kenya, no norte do país. Já na saída, logo que entramos na rodovia A2, a minha moto estragou por duas vezes, sendo necessária a troca da bateria. Mesmo assim permaneceu com problemas, o que se fez necessária troca da moto por parte da empresa locadora. Deixamos a moto em um posto de gasolina à beira da rodovia para que a empresa responsável fosse resgatá-la. A nova moto somente nos encontrou à noite, já em nosso destino daquele dia. Segui o caminho na moto do nosso mecânico Pedro.
Seguimos viagem pelo asfalto por cerca de 54 km até entrarmos na rodovia Muruka – Kandara Road chegando com 100Km até o Parque Nacional Aberdare, onde entramos em uma trilha off road. Este parque é uma área protegida na cadeia de montanhas Aberdare, localizada no Quênia central em uma área de 767Km², próximo à cidade de Nyeri. Logo na entrada do parque existe uma polícia local que cobra propina para que se possa ingressar. A estrada é bastante estreita e em um determinado ponto encontramos um trecho com lama bastante deslizante. Eu estava na terceira posição, quando avistei, cerca de 50 metros à frente, as motos do nosso guia Jaime e da Marisa já caídas. Ao tentar parar minha moto, também fui para o chão. O trecho de barro seria, sem dúvida, o pior de toda viagem que ainda estava por vir. O trajeto dentro do parque se dá por uma serra, com uma subida um pouco íngreme e descidas desafiadoras, com bastante pedras e algumas curvas em um instigante off road em uma paisagem sensacional. Ainda no caminho se passa por uma ponte de madeira com cerca de 20 metros, local de parada obrigatória para contemplação e registro fotográfico. Após sairmos do parque entramos em uma estrada com um piso semelhante ao rípio, bem mais fácil para pilotagem.
Paramos para almoçar no Havana Villa Resort (7X48+7GW, Koimbi), na rodovia C70, onde saboreamos frango, churrasco queniano de cabrito e alguns pratos típicos da culinária do país, servidos ao ar livre, sem talheres e visitados por muitas moscas varejeiras pousando nos alimentos. Neste local existem os campos de chá e a paisagem é muito bonita, além de pessoas extremamente acolhedoras e simpáticas.
Após o almoço seguimos viagem pelo asfalto nas rodovias C70 e A2 por cerca de 113Km até o hotel acampamento em Mont Kenya, na pousada Angiri Camp, em Naniuki. No caminho, quase chegando ao hotel, passamos pela Linha do Equador. Neste dia andamos cerca e 253 km, sendo 40 km destes em off road, passando por diversas comunidades ao longo das rodovias percorridas. Todas extremamente pobres e com higiene precaríssima, mas com clima de festa e um grande apelo religioso, talvez por ser domingo. Em todas estas comunidades existem diversas igrejas de diferentes religiões cristãs. A cidade de Naniuki é um centro comercial localizada no limite norte da linha do equador, a noroeste de Mont Kenya, no Condado de Laikipia. Ali está localizada a base aérea da Kenya Air Force. Naniuki é um polo turístico, sendo o local de referência para alpinistas e mochileiros que desejem escalar o Mont Kenya.
O Mont Kenya é um vulcão extinto e o segundo pico mais alto da África, com o Batian sendo seu ponto mais alto, chegando a 5.199m. Está localizado no planalto queniano, 150 km a nordeste de Nairobi. Os Masais usam as terras do Mont Kenya para seu gado pastar. Acreditam que seus ancestrais desceram da montanha no início dos tempos, dando origem ao seu povo.
Chegamos no final do dia na Angiri Camp (1246, nanyuki, Nanyuki, Kenya). O local é um hotel acampamento, com opções de quartos ou tendas onde fiquei hospedado em uma destas tendas, as quais são bastante confortáveis e com boas camas. O banheiro é comunitário, simples e bem higienizado. A pousada é muito aconchegante, com uma área de convívio ao redor de uma fogueira propícia para uma boa roda de conversas e reflexões sobre aquele primeiro dia nas estradas quenianas. Ali tivemos um bom jantar, com comidas também típicas do Quênia. Naquela noite a empresa que aluga as motos entregou a motocicleta substituta à minha, que havia estragado logo no início do dia, na qual segui a viagem até o final.
Início da viagem
Dia 25 de setembro.
Saímos da pousada Angiri Camp em torno das 8h15min pela rodovia C76. Seguimos pelo asfalto até entrarmos em uma estrada sem pavimentação. Esta estrada inicialmente oferece um off road bem tranquilo, porém com solo bastante pedregoso. Logo nos primeiros três quilômetros o Édison bateu com o pé esquerdo em uma pedra, fraturando a fíbula e deslocando a articulação do tornozelo esquerdo. Eu estava logo atrás e, como não houve queda, não percebi o motivo pelo qual ele havia parado. Apenas parei por acreditar ser algum problema com a moto. Ao chegar próximo, já o encontrei deitado do lado de fora da estrada, com um dos colegas avisando que ele teria fraturado a perna. Logicamente a preocupação e tristeza nos invadiram. Aquele companheiro que por longos meses se preparou para esta viagem está subitamente impossibilitado de continuar pilotando. Também a incerteza dos próximos acontecimentos. No grupo de pilotos estávamos em quatro médicos, cada qual com sua especialidade que não a traumatologia. A Marisa, médica patologista e que também trabalha com emergência e o Darci, cirurgião vascular, tomaram à frente do atendimento no local, retirando a bota, improvisando a imobilização da perna e administrando alguns analgésicos que sempre levamos nestas viagens de moto aventura. Paralelo a isso foi feito contato com a Cris Touguinha, corretora de seguros de Porto Alegre, que orientou os procedimentos a serem adotados. Foi acionado uma ambulância da cidade de Nanyuki pela qual havíamos passado há pouco. Rapidamente a ambulância estava no local e removeu o Édison para o hospital onde foi atendido por um fisioterapeuta e teve seu tornozelo radiografado. Embora houvesse um médico clínico de plantão, este não chegou a atender nosso amigo. O atendimento ficou todo por conta do fisioterapeuta que recebia orientações de um traumatologista por telefone. Após feito o diagnóstico e imobilizado o tornozelo, o Édison decidiu permanecer com o grupo seguindo na Van. A moto foi deixada em um posto de polícia próximo ao local do acidente para que a empresa responsável pela locação providenciasse seu resgate. Com o diagnóstico feito e o Édison encaminhado ao hospital, seguimos nosso caminho, porém com a moral abalada pelo acontecimento. O atendimento para ter a cobertura do seguro viagem deve seguir estritamente as regras do contrato da seguradora, pois caso contrário, esta poderá se negar a cobrir os custos do atendimento e o regresso para a cidade de origem. É muito importante que seja lido e entendido todas as cláusulas excludentes da cobertura do seguro. Também é de suma importância um corretor de seguros disponível quando do sinistro, ao que a Cris Touguinha foi perfeita, prestando toda a atenção e orientações necessárias, permanecendo ao nosso lado durante todo o processo de atendimento médico e resolução das demandas necessárias para retorno ao Brasil, visto que as exigências para repatriação de viajante acidentado são bastante rigorosas. Durante todo tempo do atendimento, desde a remoção pela ambulância para o hospital até o reencontro com o grupo à noite, o Édison foi acompanhado pelo Darci que fez todo o percurso na sua moto junto à ambulância e acompanhando posteriormente a van de apoio.
Enquanto estávamos com o Édison na beira da estrada tivemos o primeiro contato com nômades Masais que por ali passavam com seu rebanho de cabras. Extremamente tímidos e receptivos.
Após a remoção de nosso amigo seguimos nosso caminho. Já eram mais de 11 horas da manhã e o cronograma do dia estava bastante atrasado tanto pelo tempo que ficamos em torno do atendimento, como também por outro período em que ficamos parados ainda no asfalto esperando reencontrar o Darci após este ter pegado um trajeto equivocado.
Depois do término do off road entramos em uma rodovia asfaltada, a B5, onde pegamos bastante chuva. Como a previsão do tempo não sinalizava chuva, eu não estava preparado com roupa adequada. Já no meio da tarde paramos na cidade de Nyahururu, onde fomos a um supermercado para que o Jaime comprasse nosso almoço, comendo-o na rua. Mesmo com os imprevistos do dia, incluído o acidente, a chuva e o atraso, o grupo permanecia tranquilo e divertido. Seguimos nosso caminho pelo asfalto na rodovia C83, com mais uma parada devido à chuva intensa. Chegamos no resort Punda Milias Nakuru Camp em torno das 17h43min, na localidade de Nakuru, com 180,1Km rodados, sendo cerca de 87 km de off road. A van com o Édison e o Darci chagou em torno das 20 horas.
O resort Punda Milias Nakuru Camp é excelente, com bangalôs espalhados pela mata. O interessante dos bangalôs é que o banheiro não tem portas, estando separado do quarto apenas por uma cortina. As camas são confortáveis e a área e convívio também é muito agradável, com uma fogueira semelhante à pousada em ficamos na noite anterior.
Angiri Camp
Dia 26 de setembro.
Saímos em torno das 8h45min com destino ao Parque Nacional Masai Mara, a sudoeste de Nakuru. Logo na saída abastecemos as motos na cidade de Nakuru. Em seguida novamente minha ficou parada na estrada, sem bateria. Para complicar um pouco mais, a moto do Pedro, nosso mecânico, também ficou sem bateria um pouco antes da minha. Mais um tempinho parado à beira da rodovia.
Após cerca de 60 Km pela rodovia C57 paramos em uma localidade à beira da estrada chamada Njoro, pertencente ao município de Nakuro, que está a uma altitude de 2890 m. Nesta comunidade tomamos chá de Massala servido direto da chaleira de um morador local, provavelmente algum comerciante desta bebida. A comunidade vem toda para próximo às motos, cercando-nos e fazendo com que nossa presença se torne um evento. Seguindo caminho pela C57 passamos pela cidade de Narok (Narok Town). Narok Town é a capital do condado de Narok, localizada junto ao Great Rift Valley a uma altitude de 1827m, sendo o principal centro comercial do distrito. Tem uma população de 40 mil pessoas, com a maioria Masais. Após Narok continuamos pela rodovia B3 e C12 até o resort, chegando em torno das 14h35min com 225,8 Km rodados na Jambo Mara Safari Lodge, localizado a 205 Km ao sul do equador, junto à reserva Masai Mara que integra o ecossistema Serengeti-Mara, área de cerca de 25.000Km² destinados à preservação da vida selvagem. O asfalto termina cerca de 12Km antes do resort, na entrada do Parque Nacional Masai Mara, onde inúmeros Masais avançaram sobre nós de forma bastante ostensiva para venderem seus artesanatos. O trajeto entre o asfalto e a pousada se dá por uma estrada off road bastante técnica, com aclives e declives pequenos, plano inclinado, transposição de curso d’água, areia e pedras. Ao longo desta estrada se pode observar animais selvagens, como girafas, zebras e macacos. Pilotar em uma estrada off road como esta, com animais selvagens avistados ao longo do caminho, foi uma experiência ímpar.
O resort Jambo Mara Safari Lodge é um local espetacular, bastante luxuoso, com bangalôs muito confortáveis cujas paredes têm ampla cobertura de vidro proporcionando uma vista privilegiada da mata ao redor, propiciando avistar macacos passando sob nossa janela e varanda os quais transitam pelo resort com bastante tranquilidade. A energia do resort é sustentável, com 99% de origem solar.
Dia 27 de setembro.
Logo cedo saímos para o safari no parque Masai Mara onde tivemos a oportunidade de observar diversos animais selvagens em seu habitat natural nas savanas africanas. De início avistamos um guepardo (ou cheetah) com seus filhotes andando tranquilamente. As zebras sempre em manadas e as girafas com sua tranquilidade são bastante frequentes. A presença imponente e solitária de um leão em meio às árvores deixa claro o motivo de ser considerado o rei dos animais. Em outro local, um grupo de leoas com seus filhotes já crescidos repousam sob a sombra de uma acácia guarda-chuva, sendo observadas ao longe por algumas hienas que parecem estar planejando um ataque frustrado e uma família de girafas que soam inseguras quanto à presença dos felinos. É uma visão característica que nos faz sentir que realmente estamos na África. Os elefantes, com seu tamanho imponente, chegam muito próximo aos veículos em que estamos parecendo quase ignorar nossa presença, já os búfalos, também sempre em manadas, de longe não aparentam sua característica personalidade agressiva, enquanto hipopótamos se banham tranquilamente quando repentinamente um aparente desentendimento gera um breve embate entre dois exemplares. As antilocapras e os gnus, também circulando em manadas, demonstram uma certa fragilidade em relação aos demais animais. Os javalis podem ser observados com bastante frequência, quase sempre em varas. Essa é a África selvagem que hoje sai do nosso imaginário criado pelos livros e telas de cinema e televisão, se tornando uma realidade para nós. Por todo lado esses animais selvagens circulam tranquilamente onde dominam aquelas terras e vivem em um sistema organizado de forma perfeita, com presas e predadores convivendo naturalmente. Ainda tivemos a oportunidade de almoçarmos um pic-nic sob outra acácia guarda-chuva em plena savana africana, casa destes animais selvagens. Experiência indescritível.
Depois de retornarmos para o resort, saímos de moto para visitar uma aldeia Masai distante apenas 1,9 km. Lá fomos recepcionados por um grupo de nativos, os quais nos explicaram um pouco sobre sua cultura, seus hábitos e maneira como vivem. Os homens apresentaram uma dança típica, a famosa dança dos pulos, nos convidando a participar com eles e nos vestindo com parte de suas indumentárias características. As casas Masai, chamadas maniata, são construídas pelas mulheres com barro e esterco, enquanto os homens cuidam do gado. Estas casas têm uma única porta, sem janelas e muito sujas, estando dispostas formando um grande cerco para que o gado fique protegido dos predadores como hienas e leões. No interior das casas, além das famílias, também são abrigados os bezerros durante a noite. Fomos convidados a entrar em uma das casas para conhecermos o seu interior, o que é bastante peculiar. Após a visita à casa Masai, as mulheres da aldeia também apresentaram outra dança típica. Ao final da visita eles montam uma espécie de bazar para venda de seus artesanatos, com um preço mais elevado do que os praticados na entrada do Parque Nacional Masai Mara. As visitas às tribos Masai são geralmente pagas.
Os Masais são a tribo africana mais conhecida. São grupos seminômades criadores de gado bovino e caprino espalhados pelo Quênia e Tanzânia, o que dificulta rastreá-los para que se tenha uma ideia precisa de sua população. O que determina o tempo em que ficarão em uma localidade é o pasto para o gado. À medida que o alimento do gado termina, eles trocam de lugar. Alguns grupos permanecem mais tempos em determinados locais, chegando a criar pequenas cidades.
O rosto alongado e seu porte físico magro e alto, as orelhas alargadas e as mulheres com adereços coloridos são características que facilmente os identificam. A cor oficial dos Masais é o vermelho, sempre levando consigo algo desta cor, o que também facilita para serem identificados. Sua origem vem do Egito com sua cultura e costumes preservados ao longo das gerações. A sociedade Masai é patriarcal e poligâmica, com os homens tendo todos os seus privilégios e as mulheres com seus direitos limitados, muitas obrigações e com relações sexuais exclusivamente para procriação, sem qualquer conotação de prazer. A função dos homens se resume ao cuidado do gado e a apresentação da dança dos pulos, enquanto as mulheres são responsáveis pelas demais tarefas da casa. Os casamentos são arranjados, sendo que o homem pode casar com quantas mulheres ele desejar conforme o dote que ele puder pagar. O dote está relacionado com a quantidade de gado que possuir. Quanto mais gado, mais rica e poderosa é a família. A alimentação é baseada em carne, leite e sangue do gado, sendo o sangue ingerido diretamente do animal nas suas cerimônias.
A circuncisão, a caça a um leão e a dança dos pulos fazem parte do ritual de passagem dos adolescentes para se tornarem guerreiros. A circuncisão é realizada de forma bastante rudimentar e traumática, dentro das próprias casas Masai. Na caça ao leão, um grupo de adolescentes entra na selva em busca do animal com a finalidade de trazê-lo morto para a aldeia. A escolha deve ser por um leão velho e fragilizado, já no final de sua vida, para não interferir no ciclo da natureza. A dança dos pulos, tradição entre os Masais, também faz parte da passagem destes jovens. Tanto a circuncisão como a caça aos leões hoje sofrem regulamentação do governo com restrições impostas.
As meninas, ao casarem, são submetidas à retirada do clitóris de maneira também bastante cruel, da mesma forma que ocorre quando da circuncisão dos meninos.
As doenças são tratadas com ervas dentro da própria tribo. Não existe atendimento médico. Dentre as doenças, a AIDS é desconsiderada pelo povo Masai, preferindo não falar a respeito. Os homens vão às cidades vender o gado ou trabalhar, mantêm relações com outras mulheres e retornam à aldeia levando o vírus para as esposas. Não existe educação sobre doenças sexualmente transmissíveis, o que acaba por uma maior transmissibilidade destas enfermidades dentre os Masais.
Após retornarmos para o resort, enquanto estávamos em nosso bangalô, avistamos um bando de macacos que transitavam tranquilamente pelas ruas da propriedade.
Dia 28 de setembro.
Deixamos o resort Jambo Mara Safari Lodge antes das 8 horas da manhã com destino leste em direção ao Mount Suswa, um vulcão extinto localizado no Rift Valley. Retornamos pelos mesmos 12 km de estrada de chão desde o resort até o asfalto, em frente à entrada do Parque Nacional Masai Mara. Após sairmos deste trecho inicial de off road, rodamos no asfalto pelas rodovias C12 e B3 por 148Km até a entrada da estrada que nos levaria até o Mount Suswa, de onde seguimos por off road mais 35Km até chegarmos ao topo do vulcão. As estradas, neste trajeto, são um pouco confusas, necessitando do GPS para melhor localização, com um off road não muito difícil, porém bastante técnico. No caminho se passa por algumas propriedades onde os nativos cobram pedágio para permitir que as motos sigam caminho. Estes nativos são bastante insistentes, chegando a uma certa agressividade, o que foi bem contornado pelo Jaime, nosso guia da Rafiki Mototour. Em uma destas obstruções, duas mulheres colocaram paus na estrada em frente à casa onde moram. Neste ponto passamos até com certa facilidade, porém uma delas chegou a agredir o Darci, batendo com uma taquara em seu capacete. Em outro ponto, uma mulher e um menino também tentaram nos extorquir dinheiro. O menino, ao se ver fotografado por nós, pareceu confuso entre sua obrigação de conseguir alguns trocados e a alegria do momento de estar ao lado de pessoas completamente atípicas para a realidade dele. Em outro ponto existe uma cobrança de ingresso, desta vez oficial, para que se possa subir ao vulcão. O valor é de 1000 Xelins por moto e 300 Xelins por pessoa, o que dá cerca de R$ 30,00 por moto e R$ 10,00 por pessoa. Chegamos no alto do Mount Suswa em torno das 13 horas. Lá em cima, onde se tem uma vista fantástica do Rift Valley, o solo é coberto por rochas vulcânicas de lava espalhadas por toda parte. A sensação de estar lá é magnífica, pois chegamos de moto o cume de um vulcão. A descida se dá por caminhos nas rochas vulcânicas, com degraus irregulares. São mais 5Km de off road em um terreno completamente rochoso e irregular, também bastante técnico. Subir de moto o vulcão e poder pilotar sobre rochas vulcânicas é uma sensação indescritível.
Mount Suswa é um vulcão extinto localizado no Great Rift Valley, entre Nairobi e Narok. A face noroeste está no condado de Narok enquanto a leste e sul estão no condado de Kajiado. O vulcão é o único com cratera dupla. A fauna em torno do Mount Suswa conta com zebras, girafas, hienas, leopardos, dentre outros.
Continuamos por uma rodovia asfaltada por cerca de meia-hora, chegando ao restaurante Muturis, nosso local de almoço. Um lugar simples e bastante agradável que nos serviu galinha assada, batatas fritas e arroz. Neste restaurante fui apresentado para o refrigerante Stoney, uma bebida queniana à base de gengibre muito saborosa e já sob o domínio da Coca-Cola. Após o almoço continuamos em direção leste até os arredores de Nairobi onde estávamos programados como destino do dia chegarmos ao resort Asyana Gardens localizado no limite sul de Nairobi (Barabara Mpya, Magadi Rd, Nairobi), próximo à região de Kajiado.
Chegamos no Asyana Gardens às 17 horas com 260Km rodados neste dia. O lugar é uma espécie de clube, oferecendo uma piscina olímpica na área de lazer, bar e um restaurante com comida típica de boa qualidade. Os quartos são em duas casas de três andares junto ao clube onde parecem terem sido residências em algum momento. Chama a atenção que nesta pousada não vendem bebidas alcoólicas, o que nos deixou sem a já costumeira cerveja Tusker que nos acompanhou na maioria dos jantares anteriores. O único inconveniente foram os mosquitos que nos atacaram durante a madrugada.
Dia 29 de setembro.
Saímos do Asyana Gardens em torno das 8h30min para visitarmos o Giraffe Centre, distante cerca de 7,6 km por onde em parte do caminho passamos por umas vielas de pedras bastante estreitas, com subidas e descidas íngremes dentro da cidade que mais pareciam trilhas, ainda cruzando com algumas motos em sentido contrário. Certamente mais difícil e divertido do que muitos dos trechos de off road por onde passamos. Existem outras ruas que se pode chegar ao Giraffe Centre por onde a nossa van de apoio trafegou.
O Giraffe Centre é uma experiência bastante diferente, onde se pode observar as girafas bem de perto e ainda alimentá-las colocando ração diretamente sobre sua língua. As girafas são muito dóceis, delicadas e tranquilas, chegando até nós já com a língua exposta esperando receber o alimento. São animais selvagens que estão em cativeiro.
Após a saída do Giraffe Centre seguimos para o sul até a cidade de Kajiado, capital do distrito de Kajiado, onde chegamos um pouco depois do meio-dia, com parte do trajeto contemplando 54 km de um off road mais tranquilo. Ali paramos para almoçarmos no Sizzler’s Grill. Foram ofertados duas ou três opções de pratos, com os atendentes do restaurante distribuindo-os de forma aleatória entre nós, sem opção de escolha. Um local simples e de boa comida, que nos faz sentir a realidade do lugar. A pequena cidade traduz a pobreza do Quênia, com pessoas extremamente simples e amáveis.
Saindo do restaurante partimos em direção à Amboseli pelas rodovias A104, C102 e C103. No caminho paramos junto a uma acácia guarda-chuva, árvore símbolo do Quênia, para momentos de descanso e tirar algumas fotografias. Seguindo em frente logo avistamos o monte Killimanjaro, parcialmente coberto por nuvens, este nos acompanhando até nosso destino daquele dia. Chegamos no Karibu Amboseli Sopa em torno das 17h25min com 199 km desde Kajiado e 279,3 km rodados no dia. Um pouco antes de chegarmos no resort, o GPS nos levou para um caminho equivocado que acabou por nos proporcionar alguns quilômetros de um off road fantástico e muito divertido. O Karibu Amboseli Sopa é outro resort belíssimo e luxuoso com visão para o imponente Killimanjaro. Logo na chegada fomos recepcionados por uma rodada de suco de frutas e um típico Masai com quase 2 m de altura, bastante simpático, nos oferecendo tolhas úmidas com essência que lembra eucalipto. Ficamos hospedados em bangalôs também bastante confortáveis em um local com excelente infraestrutura, com bares e um restaurante com comidas típicas de excelente qualidade. Um dos bares deste resort está em um bangalô que pertencia a Ernest Hemingway, onde até hoje é servido o drink predileto do escritor norte-americano. O garçon, um Masai bastante simpático, conta a história da construção do bangalô e do período em que Hemingway ali passou. Enquanto conversávamos e bebíamos no Hemingways Viglia, girafas passeavam tranquilamente sob a grande janela do bar, nos proporcionando um raro momento.
O Amboseli National Park está localizado no distrito de Kajiado, no Rift Valley. Localizado a 140Km ao sul de Nairóbi, com uma área de 392 Km2, é o segundo parque nacional mais popular do país, ficando atrás apenas da Reserva Nacional de Masai Mara. A população é composta principalmente de Masais, porém, com o advento do turismo, pessoas de outras partes do Quênia ali vieram a se instalar. É uma das áreas do mundo onde melhor se pode observar a fauna que conta com 400 espécies de aves. Em 1991 foi declarado como Reserva da Biosfera pela UNESCO. O parque também proporciona uma vista fantástica do monte Killimanjaro.
No dia 30 de setembro, enquanto saboreávamos nosso café da manhã, recebemos a visita de vários macacos que nos fizeram companhia no desjejum, compartilhando conosco os alimentos que oferecíamos diretamente das nossas mãos. Pode-se dizer ser de uma experiência bastante peculiar, já que são animais selvagens em seu habitat natural invadido por nós, humanos. O dia hoje, que promete ser o mais desafiador do nosso roteiro, está previsto passar por um trajeto de off road com bastante areia solta.
Saímos do resort em torno das 8 horas da manhã pela rodovia C103, asfaltada, com boa parte deste trajeto sendo acompanhado pelo Killimanjaro à nossa direita. Após cerca de 15Km entramos na rodovia C102. Embora coberto por nuvens em sua grande parte, o Killimanjaro se mantém majestoso e imponente fazendo com que a solidão do interior do capacete nos faça refletir o significado de estarmos neste local fantástico, com esse símbolo do continente africano que até há pouco era um sonho distante em nossos filmes e livros, agora estando ao alcance dos nossos olhos.
O monte Kilimanjaro, que em suaíli significa montanha brilhante, é o ponto mais alto do continente africano, chegando a 5891,8m de altitude, englobando uma área de 75353 hectares. Está localizado ao norte da Tanzânia, fazendo fronteira como Quênia. O Kilimanjaro é um vulcão extinto, com o cume coberto de neve. A fauna é muito rica, incluindo espécies de animais em extinção. Em 1987 foi declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO. No idioma Masai é chamado de Ol Doinyo Oibor, que significa montanha branca ou montanha brilhante. O Kilimanjaro é constituído por três cimos ou picos principais: o Shira, o Mawenzi e o Kibo (Wikipedia). Este último pico ainda mostra sinais de atividade vulcânica.
Após 25 km, em torno das 8h30min, saímos do asfalto para entrarmos na estrada de terra programada para o hoje. Uma estrada de boa trafegabilidade, oferecendo alguns trechos um pouco mais difíceis com muitas pedras e nos mantendo com a expectativa dos bolsões de areia que estariam por vir, os quais se fizeram presentes em poucos locais gerando um misto de frustração e alívio, já que a pilotagem na areia é sempre bastante desafiadora. Durante este trajeto fizemos algumas paradas para as fotografias, sendo que na última destas encontramos algumas crianças Masais à beira da estrada. Dentre estas estava uma menina de 14 anos com aparência em torno dos 10 anos acompanhada por seus dois irmãos menores cuidados por ela, um de cinco e outro de quatro anos. As crianças ficaram extremamente eufóricas ao receberem guloseimas que alguns de nós carregávamos, tais como barras de cereais e biscoitos, chegando a entrar em disputa entre si para serem contempladas. Seguimos em frente, terminando o trajeto de off road em torno das 10h50min, com cerca de 75 km percorridos nesta estrada em meio às savanas africanas.
Seguimos caminho pelo asfalto com mais duas paradas por pane nas motos do Hilton e do Darci sendo solucionados pelo Pedro. Chegamos ao Vacani Resort em torno das 13h10min com 217,5 km rodados no dia. O lugar é bem mais simples do que os lugares que havíamos ficado nas noites anteriores, estando mais relacionado a uma pousada do que a um resort propriamente dito, porém, também bastante confortável e agradável. Está localizado em uma cidade chamada Voi, às margens da Mombasa Road e fora da cidade, sem qualquer atrativo ao redor. Passamos a tarde descansando e confraternizando entre nós, com muita descontração e risadas inesquecíveis.
Dia 01 de outubro.
Saímos de Voi pela manhã pela rodovia A109, a famosa Mombasa Road, em direção à Diani Beach, ao lado de Mombasa. A Mombasa Road é uma rodovia de pista simples, como todas as que andamos pelo Quênia, porém com um tráfego intenso de caminhões que a todo instante fazem ultrapassagens perigosas, muitas vezes nos obrigando a sair da estrada para o acostamento ou, até mesmo, para além deste. É uma rodovia extremamente perigosa, nos obrigando a ter uma atenção bem maior e com uma pilotagem bastante defensiva. Após 70 km paramos em um centro de compras às margens da Mombasa Road, na localidade de Kinango, onde são vendidos souvenirs locais com muitos artesanatos Masais. Os preços são bem mais caros do que aqueles praticados pelos Masais na entrada da Masai Mara National Reserve em Narok, porém é de costume pechinchar e as mercadorias acabam saindo por valores bem abaixo daqueles pedidos inicialmente. Chama a atenção que os preços iniciais variam conforme o vendedor, com valores distintos entre os atendentes da loja. Após sairmos do centro de compras seguimos por cerca de 30 km pela Mombasa Road, saindo desta rodovia na localidade de Samburu e entrando em uma estrada secundária. Sem dúvida, a Mombasa Road é bem mais tensa do que qualquer trajeto off road que tenhamos feito no Quênia. Em seguida entramos no nosso último trecho de off road, na região chamada Simba Hill (Colina do Leão no idioma Suaíli). Após cerca de 14 km pela estrada de chão, em torno das 13h14min, furou o pneu da moto do Airton. Neste momento eu, o Tássilo, o Darci, o Geraldo e o Jaime estávamos um pouco mais adiante, onde ficamos descansando e desfrutando a bela paisagem em meio à estrada na Simba Hill, até que o restante do grupo chegasse após cerca de 40 minutos. Continuamos nesta estrada de chão por mais 12 km, após seguindo por asfalto até Diani Beach. Durante parte deste último trecho de asfalto se pode observar do alto da estrada o oceano Índico ao longe, sinalizando que estamos próximo do litoral e das famosas praias quenianas.
Chegamos a Diani Beach pontualmente às 14h59min com 219,5Km rodados, destes com 100Km na Mombasa Road, 57Km em uma rodovia secundária, 26Km de off road e os últimos 36Km on road. Finalmente havíamos chegado no Oceano Índico, o qual conhecíamos apenas dos livros escolares. A emoção de termos chegado ao fim de nossa jornada de moto pelo Quênia e estarmos às margens do Índico, com sua areia branca e águas transparentes e quentes, soa como um prêmio pelo encerramento de nossa viagem com sucesso e sem acidentes graves. Ali fomos recepcionados em um restaurante à beira da praia que nos serviu um prato de frutos do mar com lagostas, camarões, polvo, lulas e peixes, acompanhados de batatas fritas, com muita fartura. Foram momentos mágicos, com a felicidade estampada no rosto de todos nós.
Após sairmos da praia, seguimos com as motos até o resort onde ficamos naquela noite chamado Kijana Cottages, onde nos hospedamos em bangalôs rústicos e aconchegantes com janelas sem vidros e com apenas uma tela e cortinas. Ao chegarmos no resort fomos recepcionados por um grupo de Masais com suas danças típicas e com a bandeira da Espanha. Inicialmente não entendi o motivo da bandeira espanhola, porém após algum tempo descobri que eles pensavam sermos espanhóis devido às nossas reservas terem sido feitas pelo Jaime, da Rafiki Mototour, que é espanhol. Um pequeno equívoco, mas que não maculou o carinho como fomos acolhidos. À noite jantamos em um restaurante bem próximo ao resort chamado Diani Backpackers. As ruas sem calçamento e com pouca iluminação dão um aspecto bastante litorâneo, ao mesmo tempo que parece ser uma característica comum em todo o país.
Na manhã seguinte, nosso transfer nos levou para o aeroporto de Mombasa. Alguns dos companheiros de viagem permaneceram em Diani Beach por mais alguns dias. No caminho ainda tivemos a oportunidade de conhecer um pouco desta cidade litorânea e que mantém características semelhantes à Nairobi.
Embarcamos às 14h45min com destino inicial Nairobi e, posteriormente, Doha e Guarulhos.
Durante nossa viagem tivemos a oportunidade de conhecer um pouco sobre esse país fascinante. Senti falta de poder participar um pouco mais da vida dos quenianos e aprender um pouco mais sobre o Quênia.
Viajar de moto pela África é o sonho de muitos motociclistas. Os dias em que lá passamos foram marcantes não só como pilotos que se alimentam com a aventura, mas principalmente como pessoas ávidas por novas vivências, conhecimento e cultura. Estar no Quênia, em meio às savanas africanas, nos traz aquela sensação de estar transpondo uma barreira não só continental e cultural, mas de um sonho que na infância nos levava a aventuras imaginárias. O convívio com o povo queniano e seus costumes bastante diferentes dos nossos acabam por nos trazer diversas reflexões.
O tempo em que estivemos no Quênia foram dias em que passamos juntos em um grupo no qual, inicialmente, muitos sequer se conheciam e terminaram a viagem como amigos e os antes já conhecidos, estreitando ainda mais seus laços. Essa relação de amizade é uma conquista que vai além de qualquer fronteira, permanecendo em nossas melhores memórias que, juntamente com essa viagem fantástica, permeará nossas lembranças para sempre.
Valeu cada experiência vivida, cada sorriso e cada quilômetro rodado.
|
Roteiro:
DIA |
ON ROAD |
OFF ROAD |
1 |
213 Km |
40 Km |
2 |
93,1 Km |
87 Km |
3 |
213,8 Km |
12 Km |
4 |
2,8 Km |
|
5 |
208 Km |
52 Km |
6 |
218,3 Km |
61 Km |
7 |
142,5 Km |
75 Km |
8 |
193 Km |
26 Km |
TOTAL |
1281,7 Km |
355,8 Kmca |
Referências:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Qu%C3%A9nia
- https://kibo.bike/our-journey/
- https://en.wikipedia.org/wiki/Nanyuki
- https://en.wikipedia.org/wiki/Mount_Kenya
- https://es.wikipedia.org/wiki/Parque_nacional_de_Aberdare
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Nyahururu
- https://alemdafronteira.com.br/tribo-masai-africa/
- https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=659
- https://en.wikipedia.org/wiki/Mount_Suswa
Que oportunidade de rodar contigo Marcos, piloto experiente, culto e um baita companheiro de viagem. Espero compartilhar muitos kms de estradas, lugares, mesas,… contigo e com amigos verdadeiros que fizemos e ou reencontramos nessa expedição pelas estradas, lugares e culturas do maravilhoso e único Kenya!
Grande amigo Hilton!
Desculpa a demora para responder aqui. Somente agora, ao postar uma nova viagem, é que vi tua mensagem e outra do Jaime.
Foram dias sensacionais ao lado de vocês. Também desejo que tenhamos muitas estradas e histórias juntos e, quando chegar o dia em que não possamos mais andar de moto, possamos olhar para estes dias termos a certeza que foram muito bem vividos e acompanhados amigos de extremo valor.
Grande abraço!
Muito obrigado Marcos por dedicar o tempo para escrever esse relato fantástico, e muito obrigado por ter vindo nessa aventura que, sem dúvida, ficará na nossa memoria para sempre.
Oi Jaime.
Desculpa a demora para responder. Somente agora, ao postar uma nova viagem, é que via tua mensagem.
Foram dias fantásticos ao lado pessoas incríveis que estarão sempre em minhas melhores lembranças. Muito obrigado pela grande parceria. Espero poder estarmos juntos novamente por estas estradas do mundo o mais breve possível.
Um grande abraço a ti e ao Pedro.